domingo, 31 de outubro de 2010

CRONICA

O vírus

Minha amiga está com paixão platônica. Essa virose antiga, mas sem vacina. Dessas que se pega em qualquer esquina, olhando para qualquer desconhecido, que quando você menos espera não te dá bola nenhuma, causando assim, essa seca patologia arrebatadora.
Quando é que alguém pode prever essa sede desesperada que o coração começa a sentir da noite para o dia? Essa mistura de fome e ressaca, que em vez de fazer martelar a cabeça, faz doer o peito? Quem?
Mas o pior mesmo, dessa praguinha do amor, é que o portador da paixão platônica nunca admite esse diagnóstico. O aparente estado de platonismo  é sempre camuflado por um olharzinho imaginário. Ou um convite que está por vir. A proximidade da consumação do amor. O outro sempre está interessado sim, mas incapacitado! Impossibilitado!
De mãos amarradas pela timidez, indecisão ou preso por uma parceira dominadora, o homem amado sempre ama seu hospedeiro. Mas infelizmente, não há o que se possa fazer no momento.
Mas os prognósticos são bons. Hoje ele perguntou qual era o andar dela. E mais: apertou o lindo botãozinho três para ela. Está vendo: amor!
Agora o bom, que todo labirinto tem um jardim de flores, é o controle absoluto do romance. Quem ama sozinho nunca leva um bolo, nunca é traído ou trocado. Todos os encontros imaginários são perfeitos e românticos. A pessoa contaminada, e minha amiga não foge a regra, é tomada por um sentimento enorme de poder. Ela é capaz até de prever os sonhos dele. O futuro e quem sabe ainda, o passado.
Nada, nadinha foge ao controle do apaixonado. Minha amiga viu seu objeto de amor trocando seu cafezinho do escritório por chá de camomila. Ele está com insônia! Por causa do amor! E o celular tocando sem ser atendido. Ele não agüenta mais a namorada! E quando pela milionésima vez ele passa por ela dizendo um único olá, ela já pode prever o resto de suas vidas.
Agora, não há remédio. Nem argumento. Nem prevenção. Muito menos solução. Se você convive com uma pessoa infectada por esse vírus, o melhor a fazer é concordar. E ouvir. Ouvir muito. Porque um dia passa. E não deixa nem rastro. Vira um passado invisível e até ridículo.
Mas cuidado! Ela pode voltar a qualquer momento. Não só nos outros. Mas em você também. Que não admitirá de maneira nenhuma que é paixão platônica. E repetirá todos os passos acima! Você pode pegá-la em qualquer esquina, quando qualquer desconhecido não olhar para você…

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