domingo, 21 de novembro de 2010

Vida de Plástico


Guilhermo Codazzi
 O despertador toca. 5h30. Ainda deitado, Nazareno estica o braço e desliga o estridente aparelho. O corpo parece pesar uma tonelada. É hora de levantar, mas parte de seu organismo reluta. Está preso à teia da escuridão, que lhe beija a face, sedutora como a sereia que, com seu canto, atrai o marinheiro e sua  embarcação para os rochedos.
Cama e lençóis revirados. Hora de encenar o papel que lhe cabe em um teatro sem platéia. Alma. Levanta-se e vai ao banheiro, onde escova os dentes e lava o rosto, esfreando a face com as duas mãos, com força. Tenta em vão apagar a imagem que o espelho denuncia.
Na mesa da cozinha, um antigo jornal com manchas amareladas de café lhe faz companhia. Serve o café. Frio. Sem açúcar. Copo de requeijão. Pia suja. Abarrotada. Do que ri a menina do comercial da tevê?
Olha o relógio. Entra no banho. Água quente, para se lembrar de que ainda sente o corpo queimar.  Por que insisto em limpar a casa se minhas botas continuam sujas?
Desligou o chuveiro. Silêncio. On. Rádio.  Chiado. Estações. Quando terminaria aquele inverno? Quando ele começou?
“Irmão! Sua vida tem salvação, irmão! Acredite! Mas você tem que querer irmão… compre agora, sem sair de casa, o seu kit da fé em…”. Off. Acende um cigarro. Traga. Fumaça. Cinza. Chaminé. Peão.
No armário, o uniforme. Piloto automático. Rotina. Relógio. Números. Letargia. Bate a porta e caminha até o ponto de ônibus. Como faz todos os dias. A repetição vazia de uma vida sem cores. Em preto e branco. Personagem de cinema mudo querendo gritar.
Espera o ônibus por horas. Mas ele não vem. E não virá. Nazareno é carta fora do baralho. Teria alguém dado conta de sua ausência? Parecia ter o dom da invisível. Que direção seguir quando tudo o que se quer é fugir de si mesmo?
Pra que lado ficam os sonhos perdidos? Em que esquina se despediram de nós? Solidão na bagagem. Boteco. Cachaça. Mais uma dose. Saudade. Fotos antigas. Coração Amarelo. A noite cai e Nazareno volta pra casa.
Repetição, papel em branco. Liga a tevê, em busca de salvação. Geladeira vazia. Fome…Do que se alimenta a alma? Cama revirada. Vazio. Despertador. Um? Dois? Em quantos dias perceberão sua falta? Um, arrisca.
Talvez ninguém se lembre dele. Linha final. Hora de despertar. Do pó ao pó. Sobrevive de lágrimas uma rosa com pétalas de plástico?
                                     Guilhermo Codazzi / postado por Daniel Pereira

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