O amor
Eu estava imitando pela milionésima vez a mesma pessoa, cutucando a barriga com a ponta do dedo e fazendo aquela sotaque inventado de madame viajada, e ele ria como se fosse a primeira vez. Uma risada estranhamente bonita, aguda demais para ele e ao mesmo tempo, tão rica, tão viva e tão espontânea.E quando eu dei o gritinho final, quase que exatamente como a mesma pessoa dá, ele levantou as pernas, como se fosse um gafanhoto molhado tentando secar as patinhas e eu vi escorrer lágrimas de felicidades dos olhos dele.
Olhando essa cena bizarra e alegre, senti um amor bem doce e besta e me deu vontade forte de abraçá-lo e de nunca mais separá-lo de mim. E de fazer gracinhas assim todos os dias, só para vê-lo rindo que nem um gafanhoto estranho e bonitinho.
Era como se o mundo tivesse finalmente um motivo bom para existir, e todas as respostas e todas as perguntas se encaixassem em um só momento, e todas as coisas, o céu, o mar, as plantas aquáticas e as amebas, tudo fizesse sentido e eu e você também.
E naquele momento, as outras coisas, as outras pessoas, as contas, os medos, os erros e os programas políticos e as filas de banco saíram de foco e ficaram embaçadas, fazendo um fundo em tons de pastel, para que nós dois nos enxergássemos em relevo.
Se eu soubesse que amor era assim, essa mistura alucinógena de tempo, espaço e sentido e que até o medinho de saber que isso poderia acabar de vez e talvez durar só esse minutinho também fosse bom, eu não teria demorado tanto para me entregar.
Mas era preciso esse momento. Essa mesma piada e essa mesma risada. E desses anos juntos, até chegar nesse dia, que eu o visse com as pernas chacoalhando para cima, para me sentir assim e saber que ele é o cara.
O cara que vai me fazer repetir ainda mil vezes a mesma imitação mal feita de alguém e que vai rir como um gafanhoto molhado e ainda assim bonitinho e fazer desses momentos, uma imensa sensação de amor.
Vanessa Campos
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