"Em meados dos anos 90, época em que começou o curso de Publicidade da PUC do Rio de Janeiro, a baiana Fernanda Santos, 37, não imaginava que anos depois seria a única repórter brasileira de um dos maiores jornais do mundo: o "The New York Times".
Ainda morava no Rio quando trabalhou em uma revista corporativa, mas como não era oficialmente jornalista resolveu fazer
mestrado no exterior em 1998. A partir de então a trajetória profissional de Fernanda foi de persistência e constante aprimoramento.
Na entrevista a seguir ela conta, entre uma dica e outra, seu percurso até chegar ao Times: foi um "longo namoro" que se consumou depois de muito trabalho como freelancer, inclusive escrevendo desde a Colômbia. Tudo para provar para o jornal que podia escrever matérias longas e escrevê-las bem.
Confira:
Lanna Morais - Qual a sua idade? Onde se formou em jornalismo?
Fernanda Santos - Tenho 37 anos e não me formei em jornalismo, mas em publicidade, pela PUC-RJ. Entrei para a faculdade com planos de estudar jornalismo, mas acabei fazendo mais amigos entre os que iriam estudar publicidade e concluí – erroneamente, mas só mais tarde fui descobrir isso – que a redação publicitária poderia me satisfazer tanto quanto a redação jornalística. Por essa razão, nunca pude ser efetivada em nenhum jornal no Brasil. Acabei trabalhando como estagiária em um pequeno jornal no Rio de Janeiro, mas ganhei a vida como redatora de uma revista de comunicação empresarial, um emprego que me proporcionou viajar por partes do Brasil que nunca havia imaginado conhecer e a países da América Latina que nunca havia aspirado visitar.
Cheguei a pensar a voltar à faculdade para concluir os créditos que me permitiriam ser formalmente chamada de repórter, mas achei perda de tempo. Decidi então tentar o mestrado no exterior e foi assim que acabei vindo para os Estados Unidos, onde cursei o mestrado de jornalismo impresso na Boston University em 1998-1999.
- Ainda na faculdade você já tinha em mente a área que mais gostaria de cobrir? - Parte dessa resposta está acima, mas queria acrescentar uma coisa importante, que é o que mais me fascinou – e me fascina – no trabalho de jornalista: a licença que temos para penetrar mundos alheios, mundos secretos, vidas privadas, e assim revelar para os leitores como vivem essas pessoas, o que lhes incomoda/afeta/entristece/alegra. Vejo o jornalista como uma espécie de intérprete, cuja funcão é de aprender, digerir e relatar os assuntos e acontecimentos que presencia. Como saberíamos sobre o resgate dos mineiros no Chile? Como saberíamos sobre a opressão aos grupos de oposição política no Irã? Ou sobre os estragos da enchente no Nordeste, ou os efeitos da seca na mesma região? Como é que uma pessoa de classe média que mora em um grande centro urbano poderia entender a dinâmica da vida no morro? Enfim, sem o jornalista, não sei se a gente ligaria tanto pelo que se passa fora da bolha que habitamos nessa grande bola que é o planeta Terra.
- Quando ainda estava na universidade tinha o NYT como objetivo? Você está no jornal há quanto tempo?
- Nunca sonhei em trabalhar no New York Times quando estava no Brasil nem cheguei a sonhar em trabalhar no New York Times até um ou dois anos antes de vir trabalhar aqui. Sempre fui muito realista e sempre estive ciente da profundidade e alcance do meu talento. Nunca tentei dar passo maior do que as minhas pernas. Arriscar é importante, mas sou partidária do risco responsável. Quando contactei o NYT pela primeira vez, sabia que o conjunto do meu trabalho era abrangente o suficiente, e tinha suficiente qualidade, para competir com os trabalhos dos muitos outros jornalistas que queriam trabalhar no jornal.
Minha trajetória aqui foi clássica. Comecei em um jornal pequeno, cobrindo duas cidadezinhas no oeste do Massachusetts. Depois mudei para um jornal um pouco maior, em outra parte do estado. De lá vim para Nova York, para trabalhar como repórter no Daily News, onde cheguei recomendada por jornalistas que conheci durante a minha cobertura do 11 de setembro em Nova York; estava visitando amigos na cidade nessa data e acabei ficando para fazer reportagens. A conversa com o NYT começou depois que um dos seus repórteres elogiou uma matéria minha e mencionou o meu nome para a caça-talentos do jornal. Foi um namoro longo, que me levou a sair do Daily News e passar uns meses fazendo reportagens na Colômbia, como freelancer, para poder provar que podia escrever matérias longas e escrevê-las bem. (O Daily News tem formato tablóide, portanto suas matérias são bem mais curtas que as do NYT.)
Fui contratada em setembro de 2005, portanto estou no NYT há 5 anos.
- Muitos jornalistas gostariam fazer fazer carreira internacional. Como você conseguiu a vaga de repórter do NYT? Você enxerga muita diferença entre o ambiente de trabalho do Brasil e dos EUA?
- Me pergunto por que tantos brasileiros querem trabalhar para meios estrangeiros, pois penso que seria muito legal trabalhar para um meio brasileiro no exterior. Eu adoraria voltar para o Brasil. O país é tão rico em histórias, tão cheio de pessoas fascinantes, de dramas de quebrar o coração e também de incríveis sucessos e vitórias.
Não sei se a redação daqui é diferente da redação daí. Nunca trabalhei em uma redação de jornal brasileiro.
Vim para cá para fazer o mestrado e o meu objetivo era de voltar e tentar usar o diploma do mestrado para obter a equivalência e sair buscando trabalho em jornais daí. Um dos meus professores na Boston University me disse que, como estudante estrangeira, tinha direito a um visto de trabalho de 1 ano para trabalhar na área que estava estudando. Achei que deveria aproveitar a oportunidade e ganhar experiência prática, então fui a uma conferência de jornalismo e conheci alguns editores de jornais, até que um me ofereceu um estágio de 3 meses e me efetivou no final. Nesse meio tempo, conheci o meu marido, que era jornalista na época (hoje trabalha em relações públicas). Me apaixonei, casei e nunca mais voltei. Estou casada há 10 anos e tenho uma filha de 1 ano e 4 meses, a Flora, que já fala palavrinhas em português, inglês e espanhol (sua babá é colombiana).
- Você cobre qual editoria?
- Escrevo para a editoria Metro, que cobre primeiramente Nova York, mas também Nova Jersey e Connecticut.
- Você escreve textos extensos em um inglês impecável. Como aprendeu?
- Essa é uma pergunta que não sei responder. Aprendi inglês em cursinho no Rio, mas aprendi mesmo depois que mudei para os EUA. Li e leio muito para adquirir fluência. No começo acho que era claro para quem lia as minhas matérias que inglês não era o meu idioma nativo. Ainda não me sinto 100% e acho que nunca me sentirei, mas funciono bem nas duas línguas, e também no espanhol, que sou fluente. Aprender a escrever em outro idioma não é fácil, mas não é tão difícil se você se dedicar e for humilde. Eu nunca me senti ofendida quando um amigo, um editor ou mesmo o meu marido, que é americano, me corrigiam (e corrigem ainda). Pelo contrário: faço questão que as pessoas me digam se eu não falei algo bem.
O inglês é um idioma que adoro, muito gostoso para escrever, mas acho o português ainda mais rico.
- Atualmente você está no ar no Brasil por meio do Globo News em Pauta, programa da Globo News. Na sua opinião, é muito diferente escrever para o público do Brasil e dos EUA?
- A diferença principal é o idioma e confesso que é uma delícia poder escrever e falar português profissionalmente. Tinha saudades disso.
- Como surgiu o convite para colaborar com o Globo News em Pauta? Como concilia a TV com o trabalho no NYT?
- É uma loucura para conciliar os dois trabalhos, principalmente quando estou em deadline e ainda mais agora que o programa começa mais cedo por aqui, por conta do início do horário de verão no Brasil. Vai ser ainda pior em novembro, com o fim do horário de verão em NY, mas vamos lá! Vou levando até que dê. Normalmente, eu me maqueio no metrô, onde é também onde leio o material que coletei para me preparar para o programa. A correria é enorme, mas adoro ter essa conexão com o meu país.
Eu recebi uma ligação de um dos produtores da Globo por aqui, me convidando para uma conversa. Não sei como chegaram a mim, mas sei que sabiam que eu era brasileira e imagino que tenham achado interessante ter uma brasileira que é repórter do NYT como comentarista do Em Pauta.
- Com o fim da versão impressa do Jornal do Brasil a questão do desaparecimento do jornalismo de papel preocupa alguns e corrobora teses de outros. Na sua opinião, haverá uma integração mais ampla entre as plataformas impresso e online ou o jornal impresso está em contagem regressiva para seu fim?
- Acho que as publicações impressas acabarão um dia, mas o jornalismo não, portanto o estudante não deve se preocupar e sim tentar cada vez mais aprender a ser jornalista usando as tecnologias disponíveis – programas de edição de blogs, audio e vídeo para Web, etc. O jornalista do futuro será um jornalista multimídia. A ideia de jornalista como o profissional que escreve para jornal é ultrapassada.
- Na sua opinião, o que é preciso para ser jornalista e que características são essenciais para exercer a profissão? Que conselho você deixa para estudantes de jornalismo e recém formados que também desejam fazer carreira internacional?
- Prática e humildade. Vou explicar. Ler é bom, principalmente se a leitura é de matérias escritas por outros jornalistas – em revistas literárias, como a Piauí e a New Yorker; em revistas de notícias, como a Veja e a The Economist; em blogs, como o Huffington Post e Politico; e em jornais. Aconselho a ler um pouco de tudo, incluindo publicações cuja linha editorial o leitor não esteja de acordo. Sempre digo que para discordar com eficiência, o jornalista tem que saber como pensa o outro lado do debate, a outra facção. Discordar gritando é coisa de gente desinformada. Leia, por exemplo, os editorias do NYT e do Wall Street Journal para ver como duas das mais respeitadas publicações do mundo abordam o mesmo assunto de maneira totalmente diferente.
Acho o curso de jornalismo no Brasil, no geral, muito teórico. Jornalismo se aprende na prática, portanto trabalhe para o jornal da faculdade, faça estágios, escreva artigos freelancer mesmo que seja para o jornalzinho do seu bairro. Isso vai lhe dando experiência e lhe proporciona também colecionar clippings que você pode mostrar para um editor quando estiver procurando emprego.
Humildade é essencial porque mesmo quando você estiver entrevistando um analfabeto, pobre, desempregado, morador de favela, você não pode se esquecer de que essa é a pessoa que tem uma história para contar. Se você fosse melhor que ela, não estaria ali. Uma das coisas mais sensacionais do jornalismo é que nos mostra que, no fundo, no fundo, somos todos iguais.
entrevista feita por: Lanna Morais / video: entrevista à revista imprensa / postado por Daniel Pereira
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