sexta-feira, 5 de novembro de 2010

CNE QUER PROIBIR OBRA DE MONTEIRO LOBATO NAS ESCOLAS

Maior representante da literatura infantil no Brasil, Monteiro Lobato entrou na mira do CNE (Conselho Nacional da Educação) na última semana. Um parecer do órgão publicado no Diário Oficial da União afirma que a obra “Caçadas de Pedrinho”, publicado em 1933, apresenta um discurso racista e por isso deveria ser vetada nas escolas públicas.
Para que o parecer entrasse em vigor, o ministro da Educação Fernando Haddad deveria homologá-lo, o que não ocorreu. Haddad decidiu que o parecer terá que ser revisto e, no máximo, haverá uma recomendação dirigida à editora do livro para que inclua uma explicação sobre o seu conteúdo classificado como racista.
A legislação prevê a análise de conteúdo das obras distribuídas à rede pública e a exclusão da lista caso apresentem referências homofóbicas ou racistas. Do mesmo modo, a legislação ainda garante a possibilidade de recurso caso uma obra venha a ser vetada. 
Parecer.
A nota técnica da Secretaria de Alfabetização e Diversidade do MEC (Ministério da Educação) apresentada pelo CNE afirma que a obra “Caçadas de Pedrinho” só deve ser utilizado por professores que detenham conhecimento sobre os processos históricos que geram o racismo no Brasil.
Para embasar o pedido de veto, o CNE se apoio em alguns trechos da livro que relata a aventura dos personagens do Sítio do Picapau Amarelo durante a perseguição a uma onça-pintada.
Um dos argumentos apresentados reproduzem os parágrafos: “Tia Nastácia, esquecida dos seus numerosos reumatismos, trepou, que nem uma macaca de carvão”; e ainda “Não é à toa que os macacos se parecem tanto com os homens. Só dizem bobagens”.
Segundo o CNE, a maneira como o escritor se refere à personagem Tia Nastácia -- uma empregada doméstica negra -- e aos animais: urubu e macaco, justificam os fins do documento.
Análise.
Isabelita Crosariol, professora do departamento de Ciências Sociais e Letras da Unitau (Universidade de Taubaté) afirma que concorda com o parecer do CNE, que há na obra citada uma visão estereotipada do negro, representado no livro pela personagem Tia Nastácia. 
“Mas outras obras apresentam o mesmo problema como aquelas escritas por Gregório de Matos e Castro Alves, que era considerado o poeta dos escravos”, afirma a especialista em literatura. 
Ainda de acordo com Isabelita, se a proibição à leitura dessas obras fosse feita, estaríamos tirando o direito de as futuras gerações entenderem como era a mentalidade daquela época e como esses autores viam o homem negro.
“Esses são textos importantes não só do ponto de vista estético-literário, mas também por servirem de documento e registro histórico”, diz.
A professora lembra ainda que o estereótipo não existe só em relação ao negro, mas também ao retratar o caipira, na figura do jeca, o índio, ou ainda a mulher submissa. Por isso, não podemos recusar a importância da obra em questão. 
Solução.
Nilma Lino Gomes, uma das conselheiras que redigiu o documento do CNE propôs ao governo duas soluções. A primeira seria não selecionar “Caçadas de Pedrinho” para o PNBE (Programa Nacional de Biblioteca na Escola). A segunda seria adotar uma nota sobre os atuais estudos críticos que discutam os estereótipos raciais na literatura.
A professora da Unitau, Isabelita Crosariol, acredita que a segunda seria a melhor opção.
“Concordo que, se a obra for adotada, ela deve ser acompanhada de uma nota. O professor deve estimular uma leitura crítica, senão ela pode provocar efeitos desastrosos. Se você não discute o trecho ‘Tia Anastácia... trepou, que nem macaca de carvão’, pode naturalizar essa representação. Então o professor deve fazer as intervenções necessárias”, diz.
Além de problematizar a questão do estereótipo, Isabelita acredita que o professor deve promover comparações com textos de outros autores que trazem uma visão positiva do negro, deixando claro que o trecho de Lobato é uma representação, e que as representações podem ter caráter tanto positivo quanto negativo.
                            reportagem: André Luiz / postado por Daniel Pereira

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