domingo, 24 de outubro de 2010

CRINICA - TODO DOMINGO


Ser gatinha em 1990

Há 19 anos, nada tinha acontecido na minha vida há 15 anos, a não ser o meu nascimento.  Há 19 anos, eu era uma adolescente que me acharia velha daqui a 15 anos. E dezenove anos se passaram.
No meu tempo de adolescente, ser menina e escolher uma menina para beijar era um compromisso sério. Era saber que duraria a vida toda. Era esperar o dia de verdade ou conseqüência para deixar escapar escandalosamente o beijo, no banheiro, em uma menina, de outra sala.  Era ser muito, mas muito problemática.
Era charminho fumar mascando chiclete e dançar balançando os ombros. E usar pulseiras de metal com elástico que arrancavam todos os pelos do braço. Usar conga e jaqueta jeans da irmã mais velha, cheia de broches comprados na feirinha.
Menino gatinho usava shorts em vez de cueca e ia para escola de ônibus. E fumava malboro, do vermelho que era mais punk, e sem parar. E fingia que não gostava de R.P.M. Só do Ira e da linda garota de Berlim. E da loira gelada.
Era ser meio desencanada, meio descabelada, mas usar biquíni asa delta no clube. Ouvindo walkman. Ou lendo “O morro dos ventos uivantes”. E nas festinhas, quando todas as outras meninas ficassem com cara de tédio quando tocasse Xuxa, levantar para dançar sem a menor inibição. Porque quem é adolescente de verdade não tem medo de parecer criança.
Era fingir que usava boca loka e esconder na bolsa o batom da moranguinho. Era treinar beijo no espelho e na mão. Não existia piriguete, existia gutcha. E patricinha. Não existia encontro vitual, mas ligue namoro.
O moderno era ficar com o cara. Mas chamá-lo entre as amigas de namorado no segundo encontro. E ganhar o banco da frente do carro dele sem precisar gritar antes que ninguém. E achar uns papéis de bala com frases amorosas no meio dos cadernos. E escrever em quase todas as folhas o nome dele.
E gravar fitas e mais fitas com músicas românticas. Para tocar no carro dele. E saber exatamente como dançar o clipe das top models com a música do George Michael. E copiar no rosto a pinta da Cindy Crawford.
Era ficar horas pendurada no telefone com ele. E depois com as amigas para contar tudo dele. E ver o pai ficando vermelho de raiva quando chegava a conta do telefone. E jurar que nunca mais demoraria tanto para falar com alguém.
Era imaginar que daqui a dezenove anos eu estaria casada e com 7 filhos. Ou morando em uma comunidade alternativa na Amazônia. Ou quase isso!
                                                             Vanessa Campos

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